Conversas Difíceis no Relacionamento
Conversas difíceis fazem parte de qualquer relacionamento. Conheça algumas maneiras de torná-las mais fáceis.
A comunicação clara é um dos pilares dos relacionamentos saudáveis. Eu acredito nisso e coloco em prática com a Juliana. E comunicação clara não é feita só de boas notícias.
Há conversar que são difíceis. Necessárias, mas difíceis.
Eu tenho dificuldade de ter conversas difíceis. Quando eu sei que a conversa vai causar incômodo, minha reação natural é evitá-la. Com o apoio da terapia comecei a enfrentar isso. Ainda estou longe de ficar confortável com essas conversas, mas já passei da fase de apenas evitá-las e deixar que essas questões se resolvam sozinhas.
Li muito a respeito e um dos melhores livros sobre o tema é Conversas difíceis: Como discutir o que é mais importante, dos autores Bruce Patton, Douglas Stone e Sheila Heen. Recomendo a leitura. As técnicas discutidas ali podem te ajudar no relacionamento com seu par, filhos, pais, amigos e até na sua vida profissional.
Manter um relacionamento à distância com Juliana exige muito da nossa habilidade de conversarmos. Sempre há coisas a serem alinhadas e algumas são difíceis, pois envolvem nossas emoções.
Nesse artigo eu compartilho os principais aprendizados do livro e como eu os uso nas minhas conversar difíceis com Juliana.
Para ilustrar, conto abaixo uma situação que vivemos e que onde precisamos usar nossa habilidade de conversar para chegarmos a um acordo.
Moramos longe e precisamos programar nossas viagens com antecedência, para que possamos comprar as passagens aéreas antes que os preços disparem. As viagens com as crianças são um desafio ainda maior, pois envolve o alinhamento da agenda com terceiros - as próprias crianças e suas agendas escolares, a mãe do meu filho e o pai das filhas da Juliana.
A comunicação com o pai das meninas é difícil e isso atrapalha a definição das viagens com antecedência. Para evitar o desgaste, Juliana opta por aguardar que ele defina as datas. Isso nos coloca em modo de espera, fazendo com que as passagens fiquem mais caras.
Eu entendo que ela pode ser mais ativa, tomando a frente em algumas situações. Sei que esse tema é sensível a ela. Para mim, também. A indefinição das datas me deixa muito incomodado.
Claramente esse era um tema que merecia uma conversa difícil. Vou contar como ela se desenvolveu, ao longo do texto.
Preparação
Uma conversa difícil afeta nossas emoções. Medo, ansiedade, raiva, culpa e tristeza são alguns dos sentimentos que podemos sentir quando estamos tratando um assunto importante com nosso par no relacionamento.
Se preparar para a conversa nos ajuda a manter as emoções controladas. Com isso as chances de chegarmos a um bom resultado na conversa aumentam. Se as emoções nos dominarem, podemos lutar ao invés de conversar. Na luta, um perde e o outro ganha. E o relacionamento sempre sai derrotado.
Quando eu preciso me preparar para uma conversa desse tipo, eu sigo um roteiro.
Primeiro, identifico o que está em jogo. O que eu quero com essa conversa? Quais são as minhas motivações? Quais meus sentimentos quando penso no tema? O que eu quero transmitir? O que eu espero ouvir?
Essa reflexão me ajuda a entender com clareza do que se trata a conversa. E também faz com que eu viva os sentimentos ligados à ela, me preparando para o que vou sentir na hora da conversa - isso ajuda a evitar reações emocionais.
Algumas vezes, entendo que o que estou sentindo tem muito mais a ver comigo do que com ela. A conversa não é necessária - o dever de casa é meu.
No tema que descrevi, sobre as datas das viagens, está em jogo a nossa capacidade de fazer viagem de férias com as crianças dentro do nosso orçamento. Viver momentos de alegria com eles todos e criar memórias afetivas é a minha motivação. Quando penso no tema, sinto frustração com a falta de controle sobre a nossa própria agenda. Quero transmitir a ela meu incômodo com isso. E espero ouvir que ela vai se antecipar em alguns momentos, tomando a dianteira no estabelecimento da agenda.
Uma coisa que tiro dessa reflexão é um objetivo com a conversa que possa fazer sentido para ela. É esse objetivo que vou usar para convencê-la da necessidade da conversa e também para manter a conversa em bom nível, se as emoções começarem a dominar.
No exemplo, o objetivo que faz sentido tanto para mim quanto para ela é aproveitar as férias com as crianças, e fazer isso dentro do nosso orçamento.
O próximo passo é me preparar para a conversa em si. Quando ela acontecerá? O que direi? O que posso ouvir e não gostar? O que devo falar? O que não devo falar?
Essas conversas funcionam melhor se as duas pessoas estão calmas, em um ambiente tranquilo e não há pressão de tempo - nada pior do que ter uma conversa dessas com um compromisso inadiável pressionando o relógio.
Eu me organizei para falar com ela em uma das ligações por vídeo que fazemos diariamente, em um dia que eu sabia que ela não tinha nenhum outro compromisso depois.
Intenções versus impacto
Quantas vezes não ouvimos ou usamos a frase abaixo?
-Mas não foi a minha intenção.
Algo que falamos, que fazemos ou que deixamos de fazer pode causar um impacto na outra pessoa bem diferente do que esperamos, diferente da nossa intenção. É preciso reconhecer isso.
O impacto depende da outra pessoa, dos sentimentos dela, da maneira como ela vê o mundo, de como ela interpreta minhas ações, de suas crenças e valores. Não temos controle sobre isso. Mas isso não isenta nossa responsabilidade.
Precisamos mostrar empatia e reconhecer o impacto de nossas ações na outra pessoa. Precisamos respeitar isso. Há uma pergunta que ajuda a esclarecer isso:
-Pode me dizer como se sente em relação a isso?
Essa pergunta abre espaço para que a outra pessoa expresse como foi afetada. Isso ajuda a esclarecer a diferença entre a intenção e o impacto. Quando fizer essa pergunta, ouça com atenção. Você vai aprender coisas importantes sobre a outra pessoa.
Respeite o impacto causado. Reconheça que suas ações deram causa a ele. Explique quais eram suas intenções. Certamente chegarão a bom termo.
No tema que estou usando como exemplo, fiz o seguinte comentário com Juliana, em uma de nossas conversas:
-Desse jeito vamos pagar muito caro nas passagens.
Minha intenção era encontrar uma maneira de anteciparmos a definição das agendas. O impacto foi bem diferente. Ela sentiu que eu a estava responsabilizando por isso e achou injusta a cobrança, pois dependia do pai das meninas e eu sabia disso.
Quando tivemos a conversa, ambos com calma, consegui deixar claro que eu procurava uma solução e não um culpado. Conseguimos chegar a um bom termo.
Curiosidade e escuta ativa
Durante uma conversa difícil, somos muito tentados a falar, a explicar, a convencer, a mostrar o nosso ponto de vista. É o espírito de luta, de tentar vencer a conversa.
Priorizar a escuta é o melhor caminho para um bom resultado na conversa. Pratique a escuta ativa. Busque entender profundamente o que a outra pessoa sente e pensa. Pergunte-se: o que mais posso aprender aqui?
Mostrar para a outra pessoa que ela está sendo ouvida e respeitada cria um ambiente de abertura e confiança na conversa. Você não precisa concordar para ouvir e respeitar. Não precisa ofender para discordar.
Mantenha a conversa nas ações - o que você ou a pessoa fez - e nas motivações - o que motivou aquela ação. Evite a conversa sobre adjetivos - você é isso ou aquilo.
A frase “eu me senti ignorado quando você demorou para responder minha mensagem ontem” é bem mais respeitável do que “você nunca me responde”.
Outras frases que você pode usar para mostrar que está escutando e interessado no que a pessoa tem a dizer:
-Você pode me ajudar a entender melhor o que está sentindo?
-O que eu posso fazer para melhorar essa situação?
-Como eu posso te ajudar a se sentir melhor nessa situação?
-O que foi mais difícil para você nessa situação?
-Existe algo que eu não percebi ou que você gostaria de acrescentar?
Na conversa com a Juliana sobre o tema das agendas, quando me dispus a ouvi-la com atenção, eu aprendi que o controle exercido pelo pai das meninas é um tema muito delicado para ela. E aquele meu comentário apertou esse gatilho.
Também aprendi que eu poderia ajudá-la com sugestões práticas, pois ela fica emocionalmente afetada nessas situações com ele.
Do lado dela, ela entendeu poderia e deveria ignorar as mensagens provocativas e se concentrar no objetivo - definir a agenda das meninas.
Foco nas percepções, ao invés de procurar culpados
É muito fácil, em uma conversa difícil, seguir o caminho das acusações. Culpar ou acusar o outro é uma coisa que podemos fazer sem nem perceber, quase que no automático. Quando isso acontece, a resposta vem no mesmo tom e a conversa se torna uma troca de acusações.
Concentrar-se nas percepções é o melhor caminho. Falar como você se sente com a ação do outro ao invés de destacar o que a outra pessoa fez ajuda a evitar o tom acusatório.
Ao invés de “você nunca chega no horário” use “eu me sinto desrespeitado quando você não chega no horário que combinou comigo”.
Ao invés de “você não larga esse celular” use “eu me sinto irrelevante quando você interrompe nossa conversa para olhar o celular”.
Diga como se sente. Com calma e de forma clara. E então ouça a versão da outra pessoa. Provavelmente ela não teve intenção de fazer você se sentir assim. Conversem e cheguem a bom termo.
No caso das agendas, usei “eu fico frustrado quando vejo as promoções que estamos perdendo por não termos as datas definidas” ao invés de “você só enrola com essa agenda”. E ela usou “eu me sinto impotente quando não consigo definir as datas” ao invés de “você sempre me pressiona”.
Soluções e compromissos
Quando a conversa flui e as coisas são ditas com calma e clareza, os dois lados colocam seus pontos e são ouvidos. Isso cria a oportunidade para que, trabalhando juntos, encontrem uma solução que atenda às necessidades dos dois.
Use e abuse da flexibilidade. Esteja disposto a fazer concessões, em busca de um compromisso que atenda ambas as partes. Lembre-se que o objetivo da conversa é o entendimento mútuo e o fortalecimento da relação. O objetivo não é ganhar o debate.
Peça uma proposta. Coloque a sua. Conversem e cheguem a um acordo.
Um cuidado importante: a solução deve estar baseada em ações concretas. Por exemplo:
“Vamos fazer uma caminhada às segundas, quartas e sextas, de uma hora” ao invés de “vamos passar mais tempo juntos”.
“Vou voltar do trabalho até sete da noite às quartas, quintas e sextas” ao invés de “vou chegar mais cedo em casa”.
“Vamos guardar mil reais por mês em uma conta para nossa viagem do final do ano” ao invés de “vamos economizar”.
No caso das agendas, concordamos que era possível ela se antecipar e enviar uma proposta de agenda ao pai das meninas. Eu ajudei na revisão da proposta que ela fez, para que a mensagem ficasse mais objetiva e menos emocional.
Trabalhem juntos!
Relacionamento dá trabalho. Não há mágica. É difícil. E fica um pouco mais fácil quando o casal trabalha juntos.
Abordar os temas difíceis da relação, com respeito, empatia e clareza, cria um espaço seguro para que ambos possam expressar suas preocupações e, juntos, encontrar as soluções.
E esse trabalho não para, não acaba. O combinado de hoje pode ser mudado amanhã, quando um novo fato vem à tona. Ao longo do tempo, esse aprendizado torna a relação cada vez mais forte.
Me conte: qual foi a conversa mais difícil que você teve com seu par?